domingo, 30 de janeiro de 2011

Corações under rock: diferenciando as safras

 Primeiramente temos de dar graças a Deus por alguém, no caso, essa turma de artistas de Londrina, terem tido a força de produzir, e nos transmitir alguma coisa que seja através do veículo poderoso que é o teatro. Certos temas que eles pesquisam são tão absorvidos pela cena de palco, que o teatro os devolve ao público sob formas simbólicas que, no caso dos artistas de  Londrina, como Márcio Américo, nos fala de modernidade, do tempo,  dos loosers da noite e, principalmente, da amizade, e, essa, a jóia que os textos deles nos oferecem.
 A amizade é um tema caro aos beatniks. Foram eles que influenciaram alguns dos  importantes artistas dos anos 80. Essa época, devo confessar, porque também fui dessa geração, foi muito brega. As roupas, o cabelo feio, como dizia Dercy Gonçalves a respeito do problema, tornaram essa fase desinteressante, exceto por uma  coisa: pelos livros que a Companhia das Letras publicavam. Circo de Letras foi uma coleção muito importante, e nós podíamos tomar contato com autores como Walth Withmann, poeta árcade norte-americano, Laurence Ferlinghetti, Kerouac, Sam Sheppard, Corso, Piva, e todos esses caras que fizeram a nossa cabeça, entre elas, a de Márcio Américo.
 E o tema de Corações under rock é a amizade.  A peça obedece estritamente à regra do drama horaciano, que se realiza por séculos: ensinar enquanto diverte. Brecht "modernizou" essa regra, ele disse que a função do drama é "ensinar divertindo",  pra você ver ...A função do drama, portanto, é algo orgânico da dramaturgia, intrínseco a ela, quer seja intencional ou não, e que caracteriza a boa peça de teatro.Ensinar divertindo. E ensinar que "a amizade é importante", sem ser chato, é uma coisa que o Márcio Américo fez nessa peça, e sua segunda virtude.
 A gente pode até falar que Márcio Américo fez gracinha. Mas aí o público ri, e relaxa a mente, vai sendo minuciosamente embromado, para entrar no espírito da peça, e quando nós nos damos por nós mesmos estamos sensivelmente tocados pela amizade dos dois personagens do texto . Ele nos divertia facilmente sim, mas nos guiava o caminhar, e quem guia o caminhar é o pedagogo, ou aquele que guia o caminho. Viu, a peça do Márcio Américo é genuína dramaturgia. Ensina divertindo. Eu não vou contar a história, mas é sobre um looser imerecidamente looser, porque é um bom autor, e seu amigo stand up comedy.
 A gente pode até criticar, pô, então fala sobre temas importantes, escreve uma tragédia aí. Não foi o caso. Ele não quis falar sobre isso. O tema é a amizade numa comédia leve, cuja palava mais difícil é "James Joyce".
 Mas eu queria falar mesmo é da direção. A Lúcia Segall, nos anos 80, fazia experimentações dramáticas no Cpt de Antunes Filho, fazia lá seu trabalho de formiguinha,  como diz o Antunes. E essa experimentação amadureceu. Ela não é minimalista, pelo menos neste espetáculo, mas a gestualidade e as marcas que ela aprova são suficientes para dar vida aos personagens de acordo com o mundo em que eles vivem, e mais do que suficiente não é necessário. A direção, racional, limpa, econômica, a pontuação na sonoplastia, a luz, nada incomodava por estar sobrando, mas tudo ali era preciso. Enxuto. Isso requer pulso de diretor.
  Os atores fizeram um teatro naturalista condizente com o espetáculo, e o corpo deles, mais uma aprovação feliz da Lúcia Segall, traduzia os momentos certos. Destaque para uma dança pequenina do pé de Nelson Perez, quando mente que conseguiu um contrato na televisão.
  Esse espetáculo,  se for visto como produto de uma geração de artistas de Londrina, pode ser apreciado com maior sabor, como a gente aprecia aquelas safras maravilhosas de vinho. Cada safra diferente da outra, é bom pra conhecer.

2 comentários:

  1. Gostaria de ler a crítica da Veja, pois não concordo com a sua avalação...

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  2. Will, gostaria de saber em que não concorda, para a gente poder discutir a respeito. Que tal, fica o convite...

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